Biblioteca da Escola de Ciência da Informação
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Referência:
AMADO, Tereza. A ideia de saber na constituicao da modernidade: os livros e a sua ordem. Leituras: Revista da Biblioteca Nacional, Lisboa, v. 3, n. 2, p. 35-53, out./abr. 97/98

Notas:
ORGANIZACAO DO CONHECIMENTO E SISTEMATIZACAO DO SABER

Descritor(es):
CLASSIFICACAO; LIVRO; BIBLIOTECA

Resumo:
Esta comunicacao pretende divulgar como, atraves do espaco Bibliotheca, se cria, organiza e divulga o saber, e as funcoes que os poderes centrais vao desempenhando, quer na elaboracao, quer na institucionalizacao desse saber, quer na constituicao da sua imagem. Espaco do Conhecimento, simultaneamente veiculo e suporte material da sabedoria reconhecida e permitida, e seu organismo constitutivo, ele e revelador da conciencia e da utilidade que os poderes descobrem na cultura. Tendo o saber um valor analogico ao de verdade, a biblioteca surge no Renascimento associada aos valores humanistas, sendo entendida ao longo dos seculos XVI e XVII numa pluralidade semantica: como sinonimode Livraria Publica (que incluia a ideia de arquivo e museu); como repertorio bibliografico, ou biobibliografico; ou ainda, embora com menor frequencia, como sinonimo de catarpacio, flores, margaridas, isto e, antologia de textos de autores diversos, ou compilacoes de ditos e sentencas. O culto do livro, na dupla Saber e Poder do Saber, sera analisado atraves de Bibliothecas que cronistas de Sua Majestade conceberam ou elaboraram, quer entendidas como livraria, quer como formula arquitetonica universal do conheciemnto, materializada em indices biobibliograficos. As informacoes fornecidas nestes catalogos permitirao reconstituir as disciplinas, materias e tipos de obras que esses mesmos historiadores reconhecem e consideram recomendaveis, integrando assim os livros numa visao geral do conhecimento. Com efeito, se ao longo do seculo XVI a bibliotheca-livraria, espaco fisico, foi estabelecendo a organizacao do saber, entendido este como o o do manuscrito e de todas as preciosidades originais, ao longo do seculo XVII abibliotheca-catalogo, espaco mental que se pretende universal, foi criando e assumindo a unidade da ordem do saber ( emesmo, as vezes da sabedoria), ao controlar a producao manuscrita da imprensa, a apresentando-a como contida num livro. Se em meados do seculo XVI a ideia de biblioteca era a de um saber manuscrito original, sacrario da cultura "culta", do saber antigo e cristao, associada ao valor do ocio, estando desligada das realidades e necessidades socio-culturais coevas (por isso a memoria dos homens, escrita em romance, nao integrada nas disciplinas definidas pela "ciencia aristotelica", nao podia ter acesso ao espaco do saber, quer livraria, quer catalogo biobibliografico), progressivamente a biblioteca, mantendo a ordem do saber tradicional, foi-se apropriando da cultura presente (aprendendo a incorporar nessa cultura o sentido da utilidade), quer pela introducao de novos titulos e de novos temas, quer pela lingua que passa a ser usada, quer pelos suportes materiais arquivados (manuscritos), que passam a ser vistos como o material original em que deve basear-se a narrativa historica, cada vez mais divulgada (e controlada) pelo livro impresso. Esta reorganizacao do sistema de classificacao e de catalogacao dos livros acabou por, imperceptivelmente, alterar a ordem tradicional da biblioteca. Tambem em termos de enciclopedia dos saberes, estuda-la e ver como a historia vai passandode ausente a presente sem nome, ate constituir parte integrante e nuclear nas tipologias organizadoreas e criadoras do conhecimento, reconhecido e divulgado. Ao revelar a ordem do saber e o seu processo, quase imperceptivel, de transformacao, esta a revelar tambem as concepcoes de conhecimento subjacentes. Sintetizando: ligada a varias formas e niveis de identificacao e suportes materiais, cujos registros passam a memoria, exprimindo quer o modelo de conhecimento, quer os seus varios niveis, quer os proprios rostos do saber, a bibliotheca e instrumento e suporte criador da formacao e desenvolvimento da historia e do saber modernos, pela acumulacao de informacao e informacoes novas que agrega; pelas quase imperceptiveis e sucessivas modificacoes que as novas informacoes vao provocando na arqitectura tradicional da ordem dos conhecimentos; e pela exigencia de organizar as varias informacoes, pois so assim estas se podem transformar em saberes. Indexar, classificar, ordenar e catalogar, palavras de ordem da moderna biblioteca, revelam uma outra concepcao e pratica do conhecimento. Foram-se assim criando varias formas de raciocinio que geram espeirito analitico, que expresso em quadros conceptuais que passam a pre-definir a arquitectura da informacao. Finalmente, esta consciencia de que a analise executa um processo de seleccao e de organizacao e alargada a dimensao da utilidade politica desse saber. O que vai provocar um outro tipo de analise e de selecao da informacao, ja nao ao nivel da aplicacao das ferramentas logicas na conceptualizacao e organizacao do saber, mas sobre o valor e ideologia dessas obras, sobre os rostos do saber. O conhecimento da realidade passou a exigir a sua racionalizacao, a varios niveis; e o conecimento politico pede a sua hierarquizacao, definindo etapas de acesso ao conhecimento, que se transforma afinal na "realidade". Esta conservacao da memoria e ainda uma construcao ao nivel da divulgacao. O que passa a ser conhecido e omitido define-se e organiza-se em funcao dos diferentes publicos, assentando por isso, tambem, num trabalho de selecao e de gestao do espaco, quer arquitectonico, quer do livro, seja atraves de formato, da mancha tipografica, ou do tipo da letra.

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